Friday, August 16, 2024

Experimento narrativo II

 





Não era feriado naquele dia, e no meio da tarde, Prometeu saiu para dar uma volta. Sair no meio da tarde e em plena sexta-feira? Sim, foi o que ele fez. Havia alguns papéis na mesa, e na caixa de correio eletrônico, mais alguns e-mails. Aliás, eles não paravam de chegar. Ou seja, deixar a mesa do escritório parecia não ser uma boa ideia, uma vez que os indícios eram evidentes: papéis e mais papéis, mensagens eletrônicas, projetos em andamento, além das mais variadas atividades que demandavam cuidado, atenção e tempo, eram pistas suficientes e contestes de que havia tarefa até o pescoço. Até que não era ruim trabalhar em cada um dos projetos, cada um deles era único, havia diferenças entre si. Apesar disso, era necessário fazer muito esforço para colocar em prática a inventividade e encontrar as soluções mais diversas para os mais diferentes problemas. Naquele dia, toda a parte da manhã havia sido consumida em reuniões. Na verdade, os dias transcorriam mais ou menos assim: entre reuniões intermináveis e obrigações corriqueiras. Entretanto, o fato é que, na balança da vida, a inclinação pendia para o lado da insatisfação.

Naquela sexta-feira, particularmente, Prometeu tinha a sensação de que estava acorrentado. É exatamente esse o termo que define a sua situação. Isso por conta das circunstâncias em si, e por saber que o seu talento estava sendo empregado de maneira inapropriada. Esse foi o motivo que o levou a sair do escritório, no meio da tarde, e largar todas as suas obrigações de lado. Caro leitor e leitora, confesso que narrar um acontecimento como esse não é nada comum, se levarmos em conta o que acontece cotidianamente. Imaginem uma pessoa sair do escritório, no meio da tarde, deixar de lado prazos e tarefas, para caminhar, sem destino, pelo simples prazer de caminhar! Pois bem, Prometeu sentia o desejo de respirar ar fresco e arejar as ideias. Enfim, estava precisando dar vazão aos seus pensamentos. Então, ele pegou o celular, colocou os fones de ouvido e escolheu uma de suas playlists favoritas. Era preciso dar um pulo até o café, que ficava não muito distante do escritório, a algumas quadras dali. O café funcionava como uma espécie de combustível, um estimulante natural; já os fones de ouvido, como uma espécie de tampão, uma maneira de escamotear a brutalidade sonora da cidade.

Aquele escritório era um ambiente meio sufocante. Na verdade, bastante sufocante. Paredes pintadas em cinza, piso em cinza, mesas e computadores em tonalidades de cinza. Em suma, um ambiente totalmente cinza. Por outro lado, os dutos do ar condicionado eram duplamente desagradáveis: em primeiro lugar, eles soavam um ruído extremamente agressivo aos ouvidos; em segundo lugar, eles dispersavam por todo o andar a fumaça daquele charuto vinda diretamente da sala da diretoria. Todo mundo sentia aquele cheiro medonho – e acredite! –, mas ninguém falava nada. Além disso, aquele ar condicionado ressecava os olhos, e para quem tem problemas de visão, como era o caso de alguns colegas no departamento, isso representava um outro problema. Deixar aquele ambiente, ainda que por algumas poucas horas, era uma experiência libertadora. Assim, percorrer o trecho entre o escritório e o café poderia ser um verdadeiro deleite. Sair por aí, poder caminhar, sentir a brisa fresca no rosto, era uma sensação extremamente aprazível. Aliás, como podemos avaliar momentos como esses?

Aquela playlist tocava músicas variadas. Uma playlist que se preze deve ter diversidade. Imaginem os mais diferentes estilos musicais, os mais diferentes artistas, das mais diferentes nacionalidades e regiões. Mas nem sempre as coisas foram assim. O nosso personagem não deixa de esquecer daqueles momentos nos quais tinha uma audição musical bem mais restrita, ou seja, havia uma predileção por um único estilo musical. Existem certas coisas que parecem ser assim mesmo, isto é, em certas circunstâncias, as atenções estão mais direcionadas para um único objeto. E essa inclinação parece fazer sentido… até certo ponto! Entretanto, os fenômenos musicais são complexos e as suas manifestações são passíveis de apreciações variadas. Neste sentido, ampliar as capacidades auditivas também é ampliar a capacidade de compreensão. As pessoas que cultivam o hábito de apreciar música são boas ouvintes, e as pessoas que apreciam diferentes estilos musicais são mais tolerantes, logo, o hábito da apreciação musical refina o entendimento e aprimora a arte da convivência. Ultimamente, essas ideias passavam pela sua cabeça. Mas eram apenas ideias e nada mais além disso. Mas o que mais o inquietava era a manifestação do tempo na música. O tempo existe? O tempo é absoluto? O tempo é relativo? Por outro lado, se o tempo transcorre, como podemos percebê-lo? Se assim o for, ele também seria perceptível na música? Aqui estamos falando do tempo transcorrido na música, mas e quanto ao tempo vital, ou seja, o tempo transcorrido na vida dos seres humanos? Como compreendê-lo?

Prometeu já havia saído do prédio e estava caminhando pela calçada fazia algum tempo. Ainda havia um trecho a ser percorrido. A rua estava cheia de gente. As pessoas circulavam. Elas cruzavam o seu caminho em idas e vindas. Já na esquina, diante de si, o pequeno homenzinho, do outro lado da calçada e acima da faixa de pedestres, aceso em vermelho, indicava que era necessário aguardar mais um pouco. O farol vermelho indica que não é possível atravessar a rua; mas logo ele ficou esverdeado, indicando que o caminho estava livre. E assim, a caminhada continuou. Naquela altura do percurso, o nosso personagem reparava como a cidade era uma coisa estranha: muita gente concentrada, carros e motos circulando em um ritmo frenético, estabelecimentos comerciais vendendo os mais variados produtos, e uma infinidade de outras coisas, assim como todo o tipo de poluição. Barulho e ruídos diversos, assim como pássaros cantando, disputavam uma espécie de convívio forçado em uma mesma paisagem. E é no meio de toda essa estranheza que as pessoas vivem – aquelas que vivem, mas e as pessoas que apenas sobrevivem? E aquelas pessoas que estão jogadas pelas calçadas?

A essa altura da caminhada, Prometeu estava imaginando o que iria pedir quando chegasse ao café. Os cafés são locais extremamente representativos. Esse, especificamente perto do escritório, promovia eventos literários e cafés filosóficos. Ou seja, o ambiente era um local extremamente acolhedor e muito propício para o cultivo do pensamento. Naquela tarde de sexta-feira, especificamente, não havia nenhum evento na agenda, uma vez que os eventos costumavam acontecer aos finais de semana. Entretanto, isso não é uma regra entre os cafés, pois cada um deles organiza livremente a própria agenda de acordo com as suas próprias motivações. Por exemplo, no Séc. XVIII, os cafés europeus tiveram uma importância capital para a difusão das mais variadas ideias. Em um ambiente efervescente, novas maneiras de pensar e novas visões de mundo eram debatidas entre as pessoas. Como o nosso personagem havia lido alguns livros sobre o assunto recentemente, o seu olhar não deixou de lançar uma mirada em direção àquele local sob a influência daquelas leituras. Não é à toa que o Séc. XVIII é conhecido como o Século das Luzes.

Ao longo do caminho, também havia um museu situado em uma avenida extremamente importante. A imagem daquela instituição veio-lhe à mente quando notou que estava se aproximando dela. Também vieram-lhe à mente algumas imagens, não muito vivazes, das diferentes obras de arte daquele museu, observadas durante algumas de suas visitas. Eram muitas obras, então não era possível se lembrar de todas elas. Como a instituição estava cada vez mais próxima, a torrente de pensamentos tornou-se mais intensa. Havia diferentes obras de arte naquele local. Pinturas, gravuras, desenhos, esculturas e tapeçarias, por exemplo. Se há pouco elaboramos algumas perguntas, ou seja, o esboço de uma investigação sobre a existência e a manifestação do tempo na música e na vida das pessoas, seria possível estender essa reflexão para as mais variadas obras de arte? Se podemos perceber a transcorrência do tempo, ela também seria perceptível por meio das mais variadas manifestações artísticas? E a playlist ainda continuava em execução, e naquele momento, as notas de um solo de jazz ecoavam em seus ouvidos.

Perceba que, ao sair daquele ambiente opressivo, o escritório monocromático, uma infinidade de impressões e ideias nasceram espontaneamente durante a caminhada ao longo daquele percurso. A sensação que tinha era a de fazer parte de um organismo vivo. A cidade, com as suas contradições e estranhezas, ainda era um ambiente pulsante. As suas instituições culturais, praças, ruas, espaços de convivência, escolas, prédios, casas e todas as formas civilizadas de vida estão em toda a parte. Entretanto, também está em toda parte uma infinidade de outros problemas para os quais é necessário encontrar soluções. Não era necessário se afastar muito daquele escritório para notar isso. Por outro lado, o café estava cada vez mais próximo, e agora, era para ele que as atenções estavam voltadas. Faltava apenas uma quadra, ou seja, mais alguns passos.

A tarde de sexta-feira estava surpreendentemente agradável. O clima não estava tão quente. De uns tempos para cá, entretanto, as tardes estavam ficando ainda mais nubladas, momento em que as chuvas caiam intensamente. Era bastante comum haver pontos de alagamento em vários locais. O mais impressionante é que, em certas regiões, as chuvas de verão estavam cada vez mais intensas e concentradas. Agora, estava na porta do café, mas antes de entrar, Prometeu olhou para as árvores que havia na calçada e notou como as suas folhas eram verdes. Não deixou de pensar, também, como aquele extrato da natureza tinha uma força vital extremamente vigorosa, uma vez que a sua vida perseverava em meio ao asfalto e ao concreto. Com aquela imagem da natureza, o nosso personagem entrou no café.

Já sentado à mesa, uma garçonete extremamente simpática e solícita, chamada Vanessa, veio ao seu encontro. Na ocasião, ela trouxe o menu. Após folhear algumas de suas páginas, o nosso personagem pediu um cappuccino e um croissant. O pedido foi anotado. Enquanto esperava por ele, Prometeu observou que o ambiente estava praticamente lotado. Havia aquele burburinho que tomava todo o ambiente. A impressão que tinha era a de que esse tipo de manifestação que acontece naturalmente nesses ambientes pequenos tornava aquela experiência extremamente acolhedora. Todo o ambiente ficava humanizado com a presença das pessoas: vozes, risadas, o barulho das xícaras ao serem repousadas nos pires. E era por isso, entre outras coisas, que os cafés no Sec. XVIII eram tão emblemáticos. Ou seja, esses espaços são muito convidativos para o convívio e a reflexão. Depois de alguns minutos, o pedido foi servido:

 

Vanessa: Aqui está, Prometeu. Um cappuccino e um croissant. Fique à vontade!

Prometeu: Obrigado, Vanessa!

 

Agora era hora de provar o cappuccino e degustar o croissant. E, finalmente, refletir com calma sobre a vida. Depois de ter feito aquelas considerações sobre o tempo, a sua existência, a sua manifestação na música e nas artes em geral, o nosso personagem trouxe essa reflexão para o âmbito de sua vida pessoal. Alternando um gole na bebida e uma mordida na viennoiserie, Prometeu sentia-se bem mais à vontade naquele café. Naquele local, ele se sentia acolhido, ainda que as pessoas fossem diferentes entre si. No escritório, o trabalho em si era agradável, havia desafio e as suas capacidades intelectuais eram colocadas à prova. Ou seja, Prometeu sentia-se desafiado. Entretanto, ele estava descontente com aquele ambiente. Como era possível empregar as capacidades intelectuais em um local tão cheio de problemas? Por um lado, o ambiente monocromático não estimulava a inventividade. Por outro lado, o ruído do ar condicionado provocava incômodo. Não bastasse isso, a fumaça daquele charuto que saía da diretoria invadia todo o ambiente. Prometeu nem era fumante e tudo aquilo, para ele, era simplesmente um grande desaforo. Entretanto, por circunstâncias óbvias, nem ele, nem os companheiros de trabalho, podiam reclamar. Como presava pela sua saúde, e pelas condições de trabalho, havia chegado a uma solução para o impasse. Era uma tarde de uma sexta-feira de verão. Ponderações feitas, cappuccino croissant degustados, agora era hora de ir até o caixa e acertar a conta. Mas também era hora de acertar as contas em outro lugar.

 

Prometeu: Tchau, Vanessa! Tudo muito gostoso, como sempre. Boa tarde pra você!

Vanessa: Tchau, Prometeu! Foi um prazer recebê-lo aqui mais uma vez!

 

A chuva havia começado – e a chuva é uma manifestação extremamente vigorosa da natureza. No entanto, o guarda-chuva havia sido deixado no escritório. Então, foi necessário solicitar o transporte pelo aplicativo do celular. Um motorista foi chamado, o trajeto da corrida foi indicado e, depois de alguns minutos, o carro chegou. Antônio era o nome do motorista. De carro, o trajeto não era muito longo. Em alguns minutos, estaria de volta. A sensação que tinha naquele momento? Bem, isso deixarei para o leitor e leitora tentarem descobrir mais adiante. A volta de carro foi bem rápida. Alguns faróis estavam fechados e outros abertos ao longo do caminho. No caminho de volta, o museu foi visto pelo lado esquerdo da janela do carro, e muitas imagens e lembranças vieram à tona. Prometeu, então, chegou ao escritório. E lá chegando, foi direto para a sala do superior imediato para conversar com ele. Acompanhem o diálogo:

 

Superior imediato: Prometeu! Estou te procurando há muito tempo. Por onde você esteve à tarde toda?

Prometeu: Boa tarde, superior imediato! Estive fora do escritório no período da tarde.

Superior imediato: Foi o que percebi. E onde esteve?

Prometeu: Bem, não me leve a mal, estava precisando sair um pouco do escritório para arejar as ideias.

Superior imediato: Como assim? Sair do escritório em plena tarde de sexta-feira para arejar as ideias?

Prometeu: Sim, é isso mesmo. Saí para dar vazão aos meus pensamentos. Tenho algumas ponderações que gostaria de partilhar com você.

Superior imediato: Olha, esse papo todo está muito estranho e não estou gostando muito dessa conversa.

Prometeu: Bem, independentemente de qualquer coisa, gostaria de partilhar com você que não estou contente com as minhas condições de trabalho. Estou reavaliando muitas coisas em minha vida. De uns tempos para cá, passei a cultivar mais intensamente a leitura, fruir as mais diversas obras de arte e escutar música, os mais diversos estilos, inclusive quando saí do escritório hoje à tarde, coloquei a minha playlist favorita durante a caminhada. Depois que passei a cultivar todos esses hábitos com ainda mais intensidade, as reflexões filosóficas sobre o tempo passaram a ocupar boa parte de meus pensamentos. Ou seja, o tempo está passando e estou me sentindo acorrentado.

Superior imediato: Prometeu, notei que você estava meio estranho ultimamente.

Prometeu: Veja, as coisas não são bem assim. Não é que eu “estou meio estranho ultimamente”. Na verdade, o que está acontecendo é que estou reavaliando genuinamente o que ando fazendo na minha vida. Gostaria de partilhar algumas considerações sobre o nosso local de trabalho, por exemplo. Escute atentamente o que tenho para dizer e procure entender o meu ponto de vista antes de fazer qualquer julgamento precipitado.

Superior imediato: O nosso local de trabalho é perfeito. Não há nenhum problema nele. Os departamentos funcionam harmoniosamente, as pessoas se dão bem e a equipe trabalha em sinergia. Além disso, o ambiente é muito propício para a produtividade. Não há o que reclamar, se é que você me entende.

Prometeu: Bem, mais uma vez, não me leve a mal, não concordo com a sua opinião. O que tenho para dizer, baseado em nossa experiência cotidiana, é o seguinte: tenho a impressão de que o escritório é um ambiente meio sufocante. Na verdade, bastante sufocante. Paredes pintadas em cinza, piso em cinza, mesas e computadores em tonalidades de cinza. Em suma, um ambiente totalmente cinza. Nada disso estimula a inventividade, o nascimento de novas ideias ou a produção de soluções criativas para problemas complexos. Em suma, quando estou no escritório, tenho que fazer um esforço hercúleo para que o meu pensamento não se sinta paralisado. E o meu pensamento, se é que você me entende, sempre está em movimento.

Superior imediato: Olha, até o momento, não recebi nenhuma queixa. Você é a única pessoa que fez isso. Aliás, quanta ousadia, não?!?

Prometeu: Então sou o pioneiro nesse quesito?

Superior imediato: Guarde as ironias para os seus colegas de trabalho.

Prometeu: Não se trata de ironia, mas de reconhecer um feito. Aliás, permita-me complementar as minhas considerações. Tenho outra reclamação, agora sobre o ar condicionado. Os dutos do ar condicionado são duplamente desagradáveis: em primeiro lugar, eles soam um ruído extremamente agressivo aos ouvidos; em segundo lugar, eles dispersam por todo o andar a fumaça daquele charuto vinda diretamente da sala da diretoria. Além disso, aquele ar condicionado resseca os olhos e, para quem tem problemas de visão, como é o caso de alguns colegas no departamento, isso representa um outro problema.

Superior imediato: Vamos resumir a conversa. Aonde você quer chegar?

Prometeu: Bem, posso perceber que as minhas críticas construtivas não foram bem recebidas. Aliás, sou um jovem com toda a vida pela frente. Como tenho um apreço muito grande pelo resultado de meu trabalho e pela minha saúde, tome, aqui está o meu crachá! Como sei que não serei demitido, prefiro antecipar o movimento. Por outro lado, sei que ainda tenho algumas tarefas pendentes. Então, as minhas condições são as seguintes: depois que as pendências forem concluídas, posso passar no RH para assinar a papelada.

Superior imediato: Prometeu, preciso que você entenda que esse é o nosso estilo. O nosso ambiente sempre foi assim. Nunca ninguém reclamou. E o nosso negócio é extremamente lucrativo. Temos uma presença marcante em locais inimagináveis. Em relação à fumaça do charuto vinda da sala da diretoria, o que tenho a dizer é que as coisas são assim mesmo. Agora, não se preocupe. Não é necessário concluir as pendências. Vou falar com o pessoal do RH e a partir de segunda-feira não é mais preciso vir para o escritório. Aliás, fico muito triste com toda essa situação. Nunca esperei que as suas reflexões o levassem tão longe e fizessem com que você tomasse uma decisão tão equivocada!

Prometeu: Bem, como já são 17h, o expediente foi encerrado. Vou para a minha mesa organizar as minhas coisas. Tenha uma boa tarde!

Superior imediato: Passar bem e boa sorte!

 

Depois daquele breve diálogo, Prometeu passou no seu departamento, organizou os seus objetos e pegou o seu guarda-chuva. Ainda estava chovendo. Já eram mais de 17h, e o escritório já estava vazio. Não houve tempo para se despedir de ninguém. Como os computadores já estavam desligados, o ar condicionado ficava ainda mais ruidoso, e aquele ambiente monocromático se tornava ainda mais monótono. A pergunta que lhe ocorria, naquelas circunstâncias, era a seguinte: como foi possível empregar por tanto tempo boa parte de sua energia em um empreendimento como aquele? A sensação que tinha era a de que havia outras experiências muito mais instigantes para serem vividas, como, por exemplo, continuar cultivando as humanidades, formar o pensamento e iniciar uma nova carreira. Com os objetos em uma mochila e o guarda-chuva na mão, Prometeu dirigiu-se ao elevador. Estava no hall de espera quando, para a sua surpresa, o diretor apareceu do outro lado do corredor. Ele estava com o telefone celular na mão, de cabeça baixa, olhando para a tela, redigindo uma mensagem, andando na direção de Prometeu.

 

Diretor: Como vai?

Prometeu: Boa tarde!

Diretor: Na segunda-feira, preciso que você passe na minha sala, logo pela manhã.

Prometeu: Sinto muito, não será possível.

Diretor: Como assim?!? O que houve?!? Você é um ótimo funcionário.

Prometeu: Hoje foi o meu último dia de trabalho.

 

O elevador chega e ambos entram. Prometeu indica o térreo e o diretor indica o segundo subsolo. O diálogo continua…

 

Diretor: É mesmo? Algum motivo específico para a sua saída?

Prometeu: Sim. Dois foram os motivos. A história é um pouco longa. Sugiro que converse com o superior imediato, com quem conversei hoje no final da tarde. Ele poderá indicar os motivos. Entretanto, tenho a impressão de que um deles será omitido.

Diretor: Use o seu poder de síntese. Estamos no vigésimo andar ainda. Aliás, já que um dos motivos será omitido, sinta-se à vontade para partilhá-lo comigo. Assim, já fico sabendo de antemão o que aconteceu.

 

Pausa por alguns momentos. O elevador continua descendo.

 

Prometeu: Obrigado pela consideração. Já que insiste, espero que não me leve a mal. O seu charuto não deve ser de boa qualidade, não?

 

O elevador chegou ao térreo e o diretor, desconcertado, não soube o que responder. Prometeu saiu discretamente e esboçou um sorriso no canto do rosto. Os seus objetos e o guarda-chuva continuavam em suas mãos.

 

Sobre a pintura:

Edgar Degas (1834 – 1917)

Café Singer

1879

Óleo sobre tela

The Art Institute of Chicago


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