Já parou para pensar por que é
tão difícil falar sobre os sons? Os sons não são como os objetos que se
apresentam à visão, ao tato, ao paladar ou ao olfato. Não há a palpabilidade
espacial que possa nortear os sentidos, ainda que possamos ter uma noção de suas origens, ou seja, de onde vêm, se estão pertos ou distantes. Não podemos perceber
cores, formas, texturas, gostos, temperaturas ou odores, pois o objeto da
percepção auditiva é diferente. Nesses casos, por meio dos sentidos, o objeto torna-se
perceptível. Por outro lado, a percepção dos fenômenos sonoros acontece
espontaneamente. Para as pessoas dotadas de sentidos auditivos, os sons podem
ser facilmente percebidos, ainda que por vezes possa haver dificuldade para
identificá-los. Eles chegam aos ouvidos o tempo inteiro, e o tempo inteiro nos
enganamos em relação a eles. Entretanto, para as pessoas com surdez, infelizmente
isso não é possível. No caso da música, basta ligar o rádio e sintonizar a estação
preferida. Mas há aqueles que gostam de ir aos shows. Ou ainda, há
aqueles que gostam de visitar uma sala de concerto para ouvir um recital. Há
ainda outros tipos de manifestações musicais. Ouvir música, para quem gosta ou
tem o hábito da escuta, acontece espontaneamente. Basta que os fenômenos
sonoros aconteçam para que possamos percebê-los. Entretanto, as coisas começam
a se complicar quando tentamos fazer um relato sobre o fenômeno sonoro. Falar
sobre um fenômeno sonoro para alguém não é a mesma coisa que apresentar o
próprio fenômeno sonoro. Parece óbvio dizer isso, mas fazemos isso o tempo inteiro!
Recorrer à linguagem e articular a terminologia é uma tentativa de depurar o
fenômeno sonoro para torná-lo inteligível. Mas as palavras não são notas musicais,
ainda que elas possam ser encaixadas em uma melodia. Ao menos dois aspectos nas
palavras que fluem pela oralidade: sonoridade e inteligibilidade. Eis uma
ambiguidade e tenho a impressão de que boa parte das dificuldades decorrentes da
tentativa de elaborar um relato sobre os fenômenos sonoros emerge daí.
* * *
Falar sobre os
fenômenos sonoros pode ser um desafio. Eis uma das fontes na qual reside boa
parte dessas dificuldades: depurar o fenômeno sonoro e fazer um relato sobre ele.
Aliás, o que é música? Como defini-la? Os sons podem ser classificados e
diferenciados entre si? Neste sentido, o que é uma nota musical e o que é um
ruído? E uma melodia? Eis algumas perguntas para as quais a teoria musical
oferece as suas respostas. Ainda que sons e ruídos sejam propagados pelo
espaço, esses fenômenos não são perceptíveis como os demais fenômenos que se
apresentam no espaço. Por exemplo, percebemos uma diversidade de sons quando
ouvimos uma sinfonia. Há muitos instrumentos diferentes em uma orquestra. E
aqui reside mais uma ambiguidade. Os instrumentos musicais expressam os seus
respectivos fenômenos sonoros durante a transcorrência da sinfonia. Percebemos
o fenômeno sonoro e as suas sutilezas. Os sons diferem entre si. E para uma
pessoa disposta a ouvir música não há necessidade de saber qual é o nome do
instrumento musical e qual é a sua função em uma orquestra! Os fenômenos
sonoros apresentam-se aos ouvidos direta e espontaneamente. Eles simplesmente
acontecem. Um desafio interessante: ouvir uma sinfonia e tentar identificar
alguns elementos sonoros. Aliás, qual é o critério para diferenciar, e então
definir, um som do outro. Neste sentido, identificar um som não seria a mesma
coisa que identificar o próprio instrumento musical? Então, sonoridade e
instrumento musical estariam intimamente ligados? Estes dois elementos,
sonoridade e instrumento musical, poderiam ser fundidos em um único termo? Mas
se há um único termo que funde esses dois elementos, haveria um nível de
abstração envolvido, e neste sentido, uma certa distância entre sonoridade e
instrumento musical. Entretanto, sonoridade e instrumento musical são duas
coisas distintas. Perceba como recorremos à linguagem para articular todas
essas noções e tornar a coisa inteligível diante de todas essas dificuldades! Perguntas para as quais a teoria musical oferece as suas respostas. E
tenho a impressão de que um possível relato sobre uma peça sinfônica, ainda que
sonoridade apresente algum tipo de relação com instrumento musical, não é a
própria sinfonia – obviamente. Até porque um relato talvez nem dê conta de
tamanha complexidade.
Às vezes tenho a impressão de que estamos condenados a viver tateando a superfície mais imediata das coisas.
Sobre a pintura:
John Singer Sargent
Rehearsal
of the Pasdeloup Orchestra at the Cirque d'Hiver
c. 1879
Óleo sobre
tela
The Art Institute of Chicago
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