
Em um sábado
pela manhã, uma torrente de pensamentos, dessa que nasce espontaneamente,
passou a acompanhar os meus passos ao longo do trajeto para a aula de espanhol.
Foi na rua, caminhando pela calçada, vendo o movimento da cidade. Aliás,
especificamente no meu caso, esse tipo de fenômeno é muito comum, sobretudo após
a pergunta “o que é filosofia?” ter surgido no horizonte de nosso itinerário existencial.
Muito comum, não! Poderia dizer mesmo que a atividade é praticamente
incessante. Vislumbrar a pergunta, tentar compreendê-la, depois passar a
cultivá-la, e finalmente, tentar respondê-la, pode ser um empreendimento
bastante sedutor, empolgante e desafiador, cujos dividendos podem ser
contabilizados em termos de satisfação com as conquistas advindas dos avanços
paulatinos. Por outro lado, lidar com esse mesmo empreendimento não deixa de
ser cheio de desafios, dúvidas e questionamentos – certamente –, em especial
quando permitimos a livre e genuína manifestação de pensamento. Assim,
filosofar pode ser uma prática para uma vida inteira. Mas, perceba que a
pergunta é um tanto quanto desconcertante, assim como já foi dito em “Uma
história de um livreto com as ‘suas páginas já amareladas’”, e neste sentido, a pergunta “o que é
filosofia?” tem tudo a ver com um modo muito singular de pensamento, ou seja, estamos
falando do pensamento filosófico.
Há
alguns dias, estava relendo as Hipotiposes Pirrônicas, do médico e
filósofo Sexto Empírico. Mais uma releitura, aliás, pois revisito este texto
com certa frequência e de tempos em tempos. Há certos livros que fazem parte de
nossas vidas de uma maneira muito especial. É impressionante, quando estamos
dispostos a amadurecer e aprofundar os nossos conhecimentos em relação a uma
certa linha de pensamento, como cada nova releitura é capaz de evidenciar novas
nuances e camadas de sutilezas inéditas – que até então haviam sido ignoradas.
Ignoradas, não por negligência ou por falta de atenção, mas simplesmente
porque, quando revisitamos o texto, estamos acompanhados e nutridos pela
maturação de leituras prévias, ou seja, estamos acompanhados pelo
amadurecimento de nossas próprias reflexões. Mas não é só isso! No meu caso,
tenho por hábito ler outros pensadores e pensadoras. Assim como foi dito em
outras publicações, tenho interesse em continuar lendo e estudando outras
filosofias, pois, segundo o meu ponto de vista, é muito importante manter a
constância das leituras. A tradição ocidental produziu muita coisa e nunca é
demais ampliar os nossos horizontes filosóficos. E, especificamente neste ano
de 2024, dediquei boa parte de meu tempo livre para ler O mundo como vontade
e como representação, de Arthur Schopenhauer – caso o leitor ou leitora
esteja acompanhando o nosso blog, será possível notar em outras publicações que
este filósofo já esteve presente por aqui quando tive a oportunidade de
apreciar a sua posição em relação à tradução. A leitura desse livro estava na
minha lista de leituras já fazia um bom tempo. Quando se trata de estudos
filosóficos, estudar uma nova linha de pensamento e tentar compreender um novo
pensador ou pensadora é um hábito muito benéfico para o nosso próprio
amadurecimento filosófico. Aliás, o livro de Schopenhauer apresenta uma seção específica voltada para uma abordagem crítica em relação à filosofia kantiana, o que me deixou muito feliz
como um leitor que carrega uma bagagem de leituras provenientes da “escola”
cética.
Digressão à
parte, voltemos ao texto de Sexto Empírico. Na primeira parte das Hipotiposes,
Sexto Empírico apresenta os aspectos gerais do ceticismo. Observe que, neste
caso, o médico e filósofo tem em mente o ceticismo pirrônico, cujo fundador foi
Pirro de Élis. Como Pirro transmitia os seus ensinamentos pela oralidade, ele
não deixou nada escrito, e assim, o trabalho de Sexto Empírico foi decisivo
para que o pensamento de Pirro pudesse ser conhecido depois que foi legado à
posteridade. Ou seja, o texto de Sexto Empírico resgata e expõe a sua visão
sobre o ceticismo pirrônico. Assim, nesta primeira parte, por meio de um texto
muito acessível, cuja exposição é muito simples, mas não menos articulada,
encontramos, como foi dito acima, os aspectos filosóficos mais gerais. Diferentemente
das escolas dogmáticas, o ceticismo não teria a pretensão de oferecer um
sistema filosófico. Para os céticos da antiguidade, a pretensão em relação ao
empreendimento filosófico era muito mais modesta, ou seja, não se tratava de apresentar
ao mundo um relato hermeticamente sistematizado sobre a natureza das coisas,
muito pelo contrário! Segundo eles, o que estava ao nosso alcance era um relato
bem mais despretensioso, ou seja, algo como uma descrição em relação à
aparência das coisas. Diferentemente dos sistemas dogmáticos, que articulavam as
suas respectivas filosofias, os céticos viam em cada um desses sistemas
concepções teóricas conflitantes entre si, e neste sentido, onde há uma
multiplicidade dissonante de teorias sobre uma mesma questão, não parece ser
nada sensato colocar um ponto final e dar como finalizada a construção do
empreendimento filosófico. Entretanto, o fato de Sexto Empírico não oferecer um
sistema filosófico não quer dizer que o seu pensamento seja incoerente ou pouco
rigoroso. Muito pelo contrário! É possível notar na exposição do Sexto Empírico
como o seu pensamento é articulado e meticuloso. Pirro era daquele tipo de
filósofo que estava mais preocupado com o caráter prático de suas ideias, ou
seja, ele privilegiou o aspecto mundano e pragmático desses ensinamentos. E foi
isso que Sexto tentou resgatar.
Neste sentido,
se não somos capazes de fazer um relato sobre a natureza das coisas, a própria
noção de conhecimento filosófico torna-se problemática. Ou seja, não é que os
céticos não se preocupavam ou não davam importância para a construção desse
tipo de conhecimento. Não vamos confundir as coisas! A possibilidade de
construção do conhecimento filosófico é um empreendimento complexo e muito
problemático, ou seja, trata-se de um empreendimento cheio de desafios. É
necessário ter muito rigor e levar as investigações filosóficas até as últimas
consequências. E naquelas circunstâncias, o melhor mesmo a ser feito, para
evitar a precipitação e a formulação de teorias que poderiam se tornar
problemáticas ulteriormente, e mais problemáticas ainda se recebessem a adesão de
maneira irrefletida por parte dos adeptos, era suspender o juízo. Mas, então, a
atitude dos céticos tinha a ver com uma espécie de denúncia em face ao
dogmatismo? E qual era o teor dessa denúncia? O dogmatismo poderia engendrar
efeitos nefastos para o pensamento quando, supostamente, as suas respectivas
filosofias considerassem a construção do empreendimento filosófico terminada,
colocando assim um ponto final na possibilidade de novas investigações,
questionamentos, o livre exercício das dúvidas, assim como o alvorecer de novos
debates. Em outras palavras, quando, supostamente, as suas respectivas
filosofias considerassem que o ponto derradeiro do itinerário reflexivo havia
sido alcançado.
Por outro
lado, além da suspensão do juízo, tendo em vista tudo o que a filosofia poderia
pensar, debater e refletir ulteriormente, os céticos também consideravam
igualmente importante a investigação. E isso a tal ponto que ela deveria
acontecer incessantemente. Neste sentido, o pensamento cético caracteriza-se,
entre outras coisas, pela manutenção da investigação quando se debruça diante de
outros sistemas filosóficos. Assim, temos dois elementos importantes: de um
lado, a suspensão do juízo que viabiliza o alvorecer da livre atividade de
pensamento, sempre em movimento, livre de dogmas; e de outro, a investigação
que nutre o pensamento com novos elementos filosóficos passíveis de apreciação
crítica. Eis um panorama bastante simplificado que podemos encontrar na
primeira parte das Hipotiposes. Gostaria de explorar um pouco mais esses dois aspectos.
Quando estava
caminhando pela calçada naquela manhã de sábado, no percurso para a aula de
espanhol, ouvi o canto de um passarinho. Não sou muito bom para identificar o
canto dos pássaros e também faço confusão para saber quem é quem. São muitas as
espécies e cada uma delas se expressa a seu modo, além de ter as suas próprias
características. É fácil cometer um engano, por mais que os nossos sentidos
sejam capazes de perceber os sons. É claro que certos cantos são
inconfundíveis, como o do “bem-te-vi”, por exemplo. Entretanto, ainda que
estejamos na cidade, no meio urbano, com poucas árvores e o predomínio de
casas, prédios, concreto e asfalto, a manifestação dessas formas
de vida convive conosco, ainda que de maneira restrita – infelizmente. Olhei
para a árvore e logo percebi quando o passarinho voou em direção ao fio do
poste de energia. Logo em seguida, ele alçaria voo para outro local, indo
embora – seguindo o seu caminho. Por outro lado, para as pessoas com
deficiências auditivas, as coisas podem ser diferentes. Quando presenciei a
cena, o primeiro tropo de Enesidemo, ou seja, o tropo dos animais, veio
ao pensamento.
Como disse
anteriormente, os céticos suspendem o juízo em relação às formulações teóricas
que tenham como pretensão revelar a natureza das coisas. Para fazer isso, eles
recorrem a uma série de tropos, ou modos de suspensão, para lograrem
êxito em suas estratégias. Esses tropos são empregados durante a argumentação
para produzir a suspensão do juízo. E mais. O que está em jogo aqui seria
justamente uma denúncia em relação aos efeitos nefastos que o dogmatismo
poderia produzir para a atividade do pensamento. Na primeira parte das Hipotiposes,
Sexto Empírico expõe os 10 tropos de Enesidemo – dos céticos mais antigos – e
os 5 tropos de Agripa, além dos outros 2 tropos – dos céticos mais recentes –,
com o propósito de indicar como a pretensão dogmática em relação à construção
do conhecimento filosófico é algo muito mais problemático do que se possa
imaginar. Trata-se de uma longa exposição onde Sexto Empírico explicita por que
temos boas razões para colocar sob suspeita as alegações dogmáticas. Por outro
lado, Sexto Empírico é muito prudente com a sua exposição, uma vez que ele
considera o assunto em aberto, não estando completamente exaurido, havendo
ainda a possibilidade de existência de outros tropos diferentes – que poderiam
ser ainda mais suspensivos.
Quando aquele
passarinho voou, fiquei imaginando como poderia ser a vida de um passarinho na
cidade. Fiquei pensando: se a vida na natureza já é tão difícil – e aqui me
recordo de uma passagem do Mundo como vontade e como representação,
quando Schopenhauer entende que há uma luta constante e incessante na natureza
pela vida –, imagine como ela pode ser ainda mais difícil na cidade, onde há
uma escassez de recursos, alimentos, árvores, água para beber, em suma, um
ambiente artificialmente organizado para acomodar, em grande medida, a vida dos
seres humanos! A civilização criada para os humanos parece não ter levado em
conta que o nosso planeta não foi feito única e exclusivamente para a nossa
espécie! Ou seja, nós, como mais uma entre todas as outras espécies, habitamos
este planeta, assim como outros seres vivos e modos de vida – com as suas
diferentes características e constituições específicas.
Assim,
parece-me que os seres humanos não têm nenhum privilégio em detrimento das
outras espécies. Tenho a impressão de que não somos mais inteligentes ou mais
naturalmente bem-dotados em relação às outras espécies ou modos de vida. Aliás,
o que é inteligência? O que muitos animais podem fazer, nós não podemos fazer
sem recorrer a algum meio tecnológico. Um passarinho pode voar. Um cachorro
pode ouvir certas faixas de frequência sonora que os humanos não podem escutar,
sem contar o faro muito mais apurado. Os gatos podem subir em muros, em árvores
e até mesmo em telhados, entre outras coisas inimagináveis. Uma formiga pode
carregar até N vezes o número de seu próprio peso. Em muitas circunstâncias, os
instintos são muito mais precisos, rápidos e confiáveis do que a própria razão!
Tenho a impressão de que temos certas características e que somos diferentes
sob certos aspectos em relação às outras espécies e modos de vida. Mas isso não
deveria ser uma razão plausível para alegarmos que temos mais direitos em
relação às outras espécies e modos de vida. Como será que um passarinho se
sente morando na cidade? A resposta para a pergunta parece óbvia, ou a própria
pergunta parece meio tola, mas em algum momento será que estamos pensando sobre
essas coisas quando estamos andando apressadamente pelas ruas da cidade? Aliás,
será que chegamos mesmo a perceber o que há na cidade, além do asfalto e do
concreto? O planeta não foi feito para nós, seres humanos, nós apenas o
habitamos, assim como as outras espécies de seres vivos e modos de vida.
Perceba como
as leituras de um texto filosófico podem ter uma grande influência em relação à
nossa visão de mundo, e neste caso, em nossa relação com os outros animais. Se
fôssemos seres unicamente egoístas, tenho a impressão de que as outras
espécies, ou até mesmo a natureza como um todo, deveria existir para servir
única e exclusivamente aos nossos próprios interesses. Entretanto, se
investigarmos um pouco mais a questão, poderemos colocar um outro elemento
nesta balança para que essa inclinação seja direcionada para o equilíbrio. Em
muitas de nossas relações cotidianas, ou até mesmo em nossas relações com os
outros animais, agimos tendo em vista o bem-estar alheio. Por exemplo, quando
estamos com um carrinho de compras na fila do supermercado e uma pessoa chega,
com alguns poucos itens, e pergunta se não seria possível ceder o nosso lugar
para que ela possa passar na frente. Obviamente, não seremos egoístas. Ou
ainda, quando um gatinho de rua pula o muro de nossa casa e passa a conviver
conosco em nosso quintal. Obviamente, acolheremos aquele animalzinho,
alimentá-lo-emos, daremos água e carinho. Nesses dois exemplos, demonstramos
como o altruísmo é capaz de promover ações desinteressadas. No primeiro caso,
ele foi capaz de produzir um ato de gentileza. No segundo caso, ele foi capaz
de produzir um ato de acolhida.
Ainda na
primeira parte das Hipotiposes, Sexto Empírico fala sobre investigação,
uma das características do ceticismo. Em outras publicações de nosso blog, já
tive a oportunidade de falar sobre esse conceito, e naquela ocasião, desenvolvi
uma reflexão aplicada ao âmbito da tradução. Entretanto, o conceito de
investigação tem um sentido amplo e sua interpretação pode ser multifacetada.
No texto de Sexto Empírico, a investigação está direcionada para a apreensão
das outras filosofias como objeto de reflexão. E neste caso, tenho a impressão
de que a investigação anda de mãos dadas com a curiosidade. Para que seja
possível haver a investigação, é necessário haver uma curiosidade quase que
insaciável em relação a tudo. Assim, investigar, ou seja, seguir os traços,
assemelha-se a uma nutrição. Alimentamos o pensamento com os elementos
filosóficos das outras escolas, ou seja, lançamos um olhar apreensivo no
sentido de termos à nossa disposição as outras filosofias como objeto de
reflexão: levantar problemas, analisar a exposição de uma ideia, comparar o
pensamento filosófico de seus respectivos autores, perceber a linha de
desenvolvimento de uma doutrina e certas afinidades entre certas escolas de
pensamento, formular objeções, etc. Tudo isso é fonte de muito prazer, uma vez
que nossas habilidades intelectuais são colocadas em movimento. Enfim, muitas
são as perguntas filosoficamente formuladas durante o estudo de uma filosofia.
E sempre mantemos em nosso horizonte a suspensão do juízo.
Observe que,
quando ouvi o canto daquele passarinho, na mesma hora, nasceu a curiosidade em
relação a tudo que dizia respeito àquele animalzinho. A partir da percepção
daquele canto, perguntei: “Como é o nome desse passarinho?”; “Será que ele é
muito grande?”; “Quais são as suas cores?”; “Onde ele está?”. Perceba como a
leitura de um texto filosófico pode influenciar a maneira pela qual somos
capazes de colocar um ponto de interrogação diante das coisas que se nos
apresentam. Aqui, estou me referindo a apenas um fenômeno específico. Como os
céticos se propõem a mergulhar em uma investigação constante e ininterrupta,
poderia dizer que, tendo em vista a grande variedade de fenômenos que se
apresenta ao alcance dos sentidos, a filosofia, as próprias pessoas, os outros
seres vivos e modos de vida, ou seja, o mundo como um todo, tornam-se um
imenso ponto de interrogação. A sensação de estranheza, diante das coisas, ou
ainda, diante do frescor da novidade, é uma experiência constante. Eis o ponto
de partida para a possibilidade de novas descobertas. E sempre estaremos
munidos com todo o nosso aparato crítico para problematizar toda essa
abordagem.
Assim, tudo o
que foi dito neste texto não tem nenhuma pretensão de revelar a natureza dessas
ideias. Apenas fiz um relato sobre a minha experiência pessoal, singular,
particular e circunstancialmente determinada, depois que o contato com o texto
de Sexto Empírico tornou-se um hábito em minha vida. Também fiz um relato sobre
como essas ideias podem ter uma influência muito marcante em minha visão de
mundo e, consequentemente, em minha relação com os outros animais, outros seres
vivos e modos de vida. No entanto, todo esse relato é um relato feito por uma
pessoa com uma certa idade, no ano de 2024, em plena primavera – estamos no
hemisfério sul – e em circunstâncias muito específicas. Além disso, não tenho
nenhuma pretensão de convencer as outras pessoas com o meu próprio ponto de
vista, uma vez que cada pessoa tem o seu próprio ponto de vista e suas próprias
apreciações em relação aos mais diversos aspectos sobre as coisas mais
variadas. Tentar convencer o interlocutor também pode ser uma maneira dogmática
de impor um ponto de vista. E essa postura parece não ter nenhuma afinidade com
os propósitos da “escola” cética.
Por outro
lado, talvez não seja sensato desconsiderar muitos dos aspectos filosóficos
aqui esboçados. Por um lado, nas Hipotiposes Pirrônicas, Sexto Empírico
apresenta aos seus leitores e leitoras um trabalho muito minucioso em relação
ao tratamento do pensamento cético pirrônico em relação ao dogmatismo. Alguns
comentadores especializados dizem que, entre os textos da antiguidade, aqueles
de Sexto Empírico figuravam entre os textos contendo mais argumentos por página
do que qualquer outro texto. Se compararmos os textos de Sexto Empírico com os
de Platão, por exemplo, poderemos notar uma grande diferença, sob os mais
variados aspectos: em Platão temos uma exposição dialógica de sua doutrina; em
Sexto Empírico temos uma exposição muito mais argumentativa ao longo do
tratamento das questões dogmáticas. Ou seja, o ceticismo pirrônico tal como foi
legado para a história da filosofia por Sexto Empírico pode ser considerado
como um dos trabalhos que teve o cuidado de articular uma infinidade de
argumentos para: 1) promover a suspensão do juízo; e 2) denunciar os efeitos
nefastos do dogmatismo. Por outro lado, Sexto Empírico sempre teve o cuidado de
deixar bastante claro ao leitor ou leitora que o pirronismo apresenta certas
diferenças em relação às outras escolas de filosofia. Por exemplo, havia quem
perguntasse se o ceticismo poderia ser considerado uma escola. E Sexto Empírico
dizia que uma resposta dependeria do entendimento da pessoa em relação ao termo
“escola”: no sentido dogmático, não poderia ser considerado uma escola;
entretanto, no sentido cético, faria sentido falar em “escola”.
Porém,
independentemente de qualquer coisa, tenho a impressão de que o melhor a se
fazer, diante de todas essas questões – muito fecundas, filosoficamente ricas e
instigantes –, é suspender o juízo, pois talvez ainda me reste um longo caminho
para amadurecer as minhas próprias ideias. Neste momento, um ponto de vista ou
mesmo a interpretação do texto filosófico de Sexto Empírico pode parecer
plausível e adequada. Entretanto, em outras circunstâncias, e já em idade mais
madura, talvez uma nova consideração possa ganhar mais importância em minhas
reflexões e outros elementos poderão ganhar novos contornos. Ainda há muito o
que ser descoberto e debatido no âmbito da filosofia. A construção do
empreendimento filosófico é algo de tal envergadura que, no estado atual de
coisas, às vezes penso que somos apenas bebês curiosos que começaram a tatear
as coisas. De um lado, temos a produção filosófica, com a articulação de suas
teorias, e de outro, o ceticismo, com a articulação de seu aparato crítico. Ambos
em rica e pacífica tensão de convivência.
Referências bibliográficas:
SEXTUS
EMPIRICUS. Outlines of Scepticism. Edited by Julia Annas and Jonathan Barnes.
Cambridge texts in the history of philosophy. New York: Cambridge University
Press, 2000.
Sobre a pintura:
Henriette Ronner-Knip (1821-1909)
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